A pequena trapezista
A pequena trapezista
Parir é uma viagem sem volta e algumas mulheres se jogam, se
recriam, se renovam, se curam se iluminam. Eu dei a luz ao meu filho e a mim
também, lá, naquela sala de parto, as 11:45 da manhã do dia quinze de agosto de
dois mil e doze, nasceu um bebê de pulmões fortes, nasceu uma mãe e nasceu uma
doula.
A viagem estava apenas começando, a maternidade é um
capitulo a parte e só quem se entrega a ela de corpo e alma consegue usufruir
de sua totalidade, das suas belezas e das suas sombras também. Ser mãe é um
eterno aprender, aceitar que nosso maior mestre tem só uns 50 cm. Escrever
sobre a maternidade e toda sua complexidade não cabe aqui, escreveria dez mil
páginas e ainda assim não conseguiria descrever toda a magnitude e profundidade
do processo, e esse texto não é sobre mim, é sobre ela, a pequena trapezista, que me ensinou como ser doula.
Ela apareceu assim, discretamente em minha vida, com a
leveza de quem sabe voar, veio quietinha mansinha, com cara de menina e me deu
um presente sem igual. A pequena trapezista me deu confiança, olhou nos meus
olhos e aceitou toda a minha inexperiência e me permitiu assistir ao maior
espetáculo, o espetáculo da vida.
Aquela silhueta graciosa, de formas tão arredondadas e
belas, emanava uma energia tão boa de vida nova, um tipo de energia que só as
mulheres que carregam no ventre a semente das infinitas possibilidades
conseguem emanar. Uma energia de amor maior, que muitas vezes nem quem está
emanando consegue vislumbrar o poder. Uma energia que cresce, assim como a lua,
e quando chega ao seu auge, plena, cheia, transborda trazendo para a natureza
um novo ser, faz escorrer amor em forma de leite e transforma um coração em
dois.
Numa bela noite de primavera, a trapezista dos olhos doces me ligou avisando que o espetáculo
estava começando, meu coração serpenteou de alegria, sai correndo, pois não
queria perder sua grande estreia no picadeiro. Cheguei à casa de parto e a
encontrei começando a subir as escadas que a levariam para seu trapézio e pude
ver em seus olhos aquela mistura de ansiedade, medo e felicidade que acontece
quando o espetáculo está começando.
A escada balançava fraquinho, mas com muita frequência e aos poucos ela foi adaptando o seu corpo ao movimento, subindo devagarzinho e com muita graciosidade. Ali percebi que ia ver um espetáculo de força e leveza sem igual.
A escada balançava fraquinho, mas com muita frequência e aos poucos ela foi adaptando o seu corpo ao movimento, subindo devagarzinho e com muita graciosidade. Ali percebi que ia ver um espetáculo de força e leveza sem igual.
O trapézio estava lá, o show era só dela, e quanta beleza!
Seu corpo todo parecia se iluminar com cada contração, meu sorriso era
inevitável, o amor era quase palpável. Quanta força tinha aquela trapezista,
que nos encantou por 48h ininterruptas de espetáculo, sem nunca duvidar do seu
poder, ela sabia que era capaz de voar!
As horas passavam, seu corpo trabalhando com tanta
intensidade e seu semblante sempre tranquilo fazia parecer para os expectadores
que tudo aquilo era tão simples e leve. Assisti seu corpo aos poucos se
transformar, seu ventre se modificar, e lá dentro o pequeno coreografo
comandava os movimentos e seguia firme e forte com muito vigor, reafirmando
para todos que ele sabia muito bem o que estava fazendo e não estava com medo.
O amor estava ali, em cada gesto, em cada gemido. O amor do
pai emanava em energia curativa, e sua presença serena e firme era como uma
rede invisível de proteção.
Ela balançou, subiu, rodopiou. Ia cada vez mais alto, num
balé só dela, se preparou para o voo maior, nessa hora ela olhou para os meus
olhos e eu tive certeza de que ela enxergou minha alma; pediu-me para segurá-la
e se jogou com todo o corpo, com toda a vida. Lá no ar, no seu voo mais alto, seu
corpo que já estava aberto, se dividiu em dois em uma explosão de amor, luz e
ocitocina, e só depois do clarão pudemos ver que ali quem chegava era um menino
(ninguém sabia até então), um botão de flor, um Lírio rosado com o mesmo olhar
doce da pequena trapezista e de um azul seguro como o do pai. Eles se olharam,
suas almas se reconheceram e eles se apaixonaram. Eu tive o privilégio de assistir
esse espetáculo do mais puro amor, ali tão de perto. Me senti plena, me senti
grata por toda a beleza da vida e suas conexões, grata por tudo que Nanci me
ensinou e me permitiu (vi)ver.
Espero que a vida de vocês possa ser tão bela quanto o
espetáculo do nascimento do Lírio, que as dificuldades possam ser sobrepostas
com a leveza e força que você tem; que seu leite possa ser o alimento para o
corpo e para a alma do seu filho e que sua linda luz nunca deixe de brilhar no
palco da vida e dos amores, serei eternamente grata a vocês.
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